09/03/2019

A situação atual do Brasil junto ao Gafi – parte 4 – final

09/03/2019

Nesta última parte da entrevista, gravada na sede do IPLD, o Prof. Dr. Jorge Lasmar e Bernardo Mota, chefe de Gabinete e Assuntos Internacionais do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), falam sobre a possibilidade da aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei 10.431, de 2018, dentro do prazo estabelecido pelo GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional). Além disso, chamam a atenção para as possíveis consequências para o Brasil, caso ele não seja aprovado.

A entrevista foi gravada em janeiro, antes da plenária do Gafi, realizada na França, que contou com a participação de Bernardo Mota, e fala sobre como o Brasil descumpriu, nos últimos anos, as determinações do Gafi.

Confira, a seguir a última parte desta entrevista:

IPLD: Na sua opinião, o senhor acha que nós vamos conseguir cumprir o prazo estabelecido pelo GAFI e aprovar o projeto de Lei 10.431, de 2018, até o final do mês de fevereiro? E, caso isso não ocorra, quais são as consequências que o Brasil pode vir a sofrer?

Prof. Dr. Jorge Lasmar: Eu acho que, dificilmente, nós vamos conseguir aprovar. O Gafi faz três reuniões anuais, a próxima será agora dia 18 de fevereiro, o Congresso está em recesso até o dia 04 de fevereiro. Pelo que nós já conhecemos o funcionamento, a dinâmica, considerando que, ainda tem a reforma da previdência em discussão, acho dificilmente que ele seja aprovado. O que pode acontecer, caso não seja aprovado? Esta é a grande incógnita. A questão é que, o Gafi costuma divulgar duas listas, normalmente se diz, uma “cinza” e outra “negra” que o Gafi tem falado já em relação a discutir se o Brasil poderia continuar sendo membro do Gafi ou não. Isso é um pouco vago, não combina muito com a própria metodologia do próprio Gafi, porque ele não está mencionado especificamente as sanções. Então, acho que teremos que esperar um pouco, eu acho que é possível que haja algum espaço para uma negociação, se o Projeto caminhar nos primeiros dias. Agora, vamos discutir o pior cenário, caso o Brasil entre para a lista “negra”, que seja considerado um país não cooperante com o Gafi, o que acontece normalmente? O que acontece é que isso chama atenção para outros país, que adotem critérios mais rigorosos e mais avançados de Compliance. Ou seja, o risco de fazer transações financeiras comerciais com o Brasil aumenta. E, a partir disso, pode levar a uma série de outras consequências. Por exemplo, quebra nos investimentos internacionais, dependendo do grau, pode-se chegar a sanções econômicas ou embargos. Há também o problema de reputação, que é um problema muito sério. Quando se trabalha com empresas dos Estados Unidos e eles vêm fazer negócio no Brasil, eles ficam muito preocupadas com a questão de Compliance, de corrupção. Então, há custos para uma jurisdição não cooperante.

 

 

Bernardo Mota: Complementando o que o Prof. Lasmar disse, acho que ele fez um panorama bem próximo do que eu imagino. Este Projeto foi apresentado em junho de 2018, e a gente sabe que 2018 foi ano eleitoral. Então, o ano já tinha algumas características diferentes aos anteriores, pelo fato de ser ano eleitoral.  Projetos desta magnitude, que tratam de temas um pouco mais sensíveis, a gente imagina que, demora um pouco mais para ser aprovado. Aí, veio a questão das eleições, inclusive, eleições para o Parlamento, e o fenômeno que se observou nas eleições de 2018 é que grande parte dos congressistas, tanto deputados quanto senadores, não foi reeleita.

 

     
   

Então, a impressão que nos dá, é que ficou uma certa inércia em relação a projetos que já estavam lá.

   
     

 

Na medida que, os parlamentares que iriam deixar o Congresso, não iriam seguir adiante com negociações, com discussões, sobre o próprio Projeto. A impressão que nos dava é que aquilo caiu, um pouco, no esquecimento, na inércia, pelo fato que se tem um Congresso que, provavelmente, será renovado, na medida que eles vão assumir agora em fevereiro e, portanto, aquele não seria mais um assunto daqueles parlamentares que ali estavam.  É uma impressão que fica, pelo fato de que ele foi votado com requerimento de urgência para que pudesse ser discutido o quanto antes. E, mesmo com requerimento de urgência, não havia consenso na plenária, na Câmara do Deputados, que é onde se encontra o Projeto, para votá-lo com rapidez. Então, mesmo com requerimento, ele não ganhou a força que ele poderia ganhar e, aí a gente imagina, as razões podem ser diversas, mas eu estou colocando uma delas, que é também o fato de que muitos deputados que poderiam votar, não estarão nesta nova legislatura. O Congresso se reúne a partir de 04 de fevereiro, a reunião com o Gafi será na semana de 18 a 22 de fevereiro.  É possível? É.  Mas, eu não me lembro de ter visto projetos, com questões tão sérias, serem aprovados com esta rapidez. Estamos falando do Projeto ser aprovado em duas semanas, nas duas Casas, pode ser que não haja tempo hábil até para ele tramitar, para ele ser tramitado dentro das estâncias devidas, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado. Eu também acredito que, no final, será muito difícil que aprovemos para a reunião do Gafi. É possível? É possível. Difícil! Consequências? Têm consequências reputacionais, nos aspectos político e diplomático, mas o mais importante são as consequências financeiras, porque um país que é mal avaliado, colocado numa situação de risco pelo Gafi, na mesma hora, ou no dia seguinte, o mercado financeiro internacional olha para aquele país com uma certa reserva. E os fluxos financeiros internacionais começam, naturalmente, a não querer ir para aquele país.

 

IPLD: Então, uma empresa brasileira que está no meio de uma negociação de um grande contrato, ela pode ter este contrato que, já está avançado, mas que por uma regra interna de Compliance, ou uma regra do país no qual ela está sediada, pelo simples fato do Brasil está sofrendo as consequências, este contrato não ser aprovado?

Bernardo Mota: Eu diria até mais, de uma instituição financeira brasileira não conseguir fazer relação de correspondência bancária com uma instituição de outro país. Ou seja, ser impedida de fazer pagamento. E até uma questão automática, a de ter negócios com uma empresa grande, uma multinacional que faz pagamentos, que mantém fluxos de lá para cá e daqui para lá, terem estes fluxos restritos, limitados, ou até mesmo, proibidos. Nenhum país quer perder negócios, então, esta consequência do Gafi é muito grande porque o país que está neste grau de risco, como é possível que o Brasil fique, caso não aprove os fluxos financeiros, certamente, ou se restringirão ao Brasil, ou pararão de ir ao Brasil, ou terão custo altíssimo para ir ao Brasil. Passa se ter um custo a mais para o país por ser um país não cumpridor de regras do Gafi. É automático! Não se tem para onde correr! O mundo inteiro se movimentou, o Gafi, se nós pegarmos o Gafi, é um grupo restrito de grandes economias, mas eu poderia dizer, a família Gafi reúne mais de 190 países, ou seja, estamos falando, praticamente, do mundo inteiro, o mundo inteiro está se mobilizando para cumprir as regras do Gafi e, o Brasil, tradicionalmente, cumpriria e cumprirá.

 

     
   

Agora, temos que assumir certas responsabilidades sobre isso, o quanto antes.

   
     

 

Esse tempo já demorou muito, não é de hoje que o Gafi vem alertando o Brasil. Vem alertando já algum tempo, desde o seu relatório, aprovado em 2010. Então, este não é um assunto que surgiu agora. E o Gafi tem gradações, ele já enviou cartas, já fez visitas, já alertou, já mandou comunicado. E, chegou um ponto que, agora vamos discutir até uma possível suspensão para o Brasil. Este é ponto que o Brasil se encontra neste momento. E não queremos isso e, precisamos resolver, o quanto antes.