28/01/2019

Entrevista com o Coaf – parte 3

28/01/2019

Nesta terceira e última parte da entrevista, gravada na sede do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), em Brasília, (DF), Joaquim da Cunha Neto, ex-diretor de inteligência financeira do órgão, fala sobre o novo formulário de comunicação que está sendo elaborado pelo Coaf e por representantes dos principais bancos comunicantes. Além disso, ele aborda questões relacionadas às PEPs, (Pessoa Politicamente Exposta); comenta sobre a importância da tempestividade nas comunicações e esclarece dúvidas sobre tipos de operações.

Confira a seguir, a terceira parte desta entrevista.

 

IPLD: O preenchimento do campo “informações adicionais” pode ser melhorado, de alguma forma, por parte do comunicante? Seria possível o Coaf criar um padrão na apresentação das informações de forma que possibilite estruturar este documento para uma posterior leitura e análise informatizada?

Joaquim da Cunha Neto: Esse ponto é bastante relevante e, nesta direção, nesta linha de raciocínio, nós, do Coaf, constituímos um grupo de trabalho aqui. Ele contém representantes dos principais bancos comunicantes, do Coaf e do Banco Central. Este grupo tem discutido um novo formulário de comunicação. E neste novo formulário, pretendemos avançar bastante em relação ao atual. Em qual direção? Primeiro, estamos num momento no qual lidamos com grande volume de dados e de informações, ou seja, estamos diante do big data. Então, teremos que, cada vez mais, estruturar campos para que ferramentas de análises, estratégicas, modelos preditivos, trabalhos, em geral, com grande volume de dados, possam, cada vez mais, buscar estas informações de forma transversal e não somente comunicação por comunicação. É fundamental que estes campos estruturados facilitem a utilização destas ferramentas. Daqui a pouco, isso já é realidade e não teremos como trabalhar este volume de dados analisados individualmente por analistas. Nesta linha, este formulário que já está bem avançado, está em discussão agora no âmbito da Febraban. Daqui mais ou menos um mês a Febraban vai opinar, claro, sob a representatividade dos bancos, sobre ele. No conteúdo deste, haverá grandes inovações, por exemplo, será possível customizar pelo tipo de moeda, se trata de uma operação em dólar, ou de outra natureza, em outra moeda, ou em reais, enfim. Será possível fazer a soma.  A partir do preenchimento de um campo, poderá abrir novos campos para serem preenchidos. Haverá somatórios automáticos de débitos e créditos, campos específicos para definição da origem e destino destes recursos. Ou, pelo menos, da maioria destes. Haverá campos para inclusão de CPF e CPNJ destas contrapartes presentes nas movimentações. Tudo isso, voltando à questão da análise de inteligência financeira, é importantíssimo, porque será possível buscar por modelos, dentro da base de dados do Coaf, por uma determinada movimentação feita por um CPF que, não foi necessariamente objeto de movimentação financeira na conta do proprietário, mas movimentou recursos de uma conta de terceiros.

 

     
   

A estruturação permitirá, que estes modelos preditivos busquem, dentro deste emaranhado de informações , dados e informações com muito assertividade.

   
     

 

IPLD: Uma boa comunicação é aquela realizada com maior tempestividade, ou mais assertividade em termos de subsídio para as análises de inteligência financeira?

Joaquim da Cunha Neto:  Uma boa comunicação é aquela que traz estes dois requisitos. Primeiro a tempestividade, vale lembrar, mais uma vez, que é fundamental a tempestividade para seguir o dinheiro. Quanto mais tempo passa, mais distante você fica do dinheiro. E mais difícil fica a supressão da capacidade de pagamento das organizações criminosas. Então, a tempestividade é fundamental. Mas, por outro lado, a questão da assertividade, o conteúdo destas informações adicionais, o conteúdo desta comunicação, pode sem dúvida nenhuma, agilizar o trabalho de investigação e, portanto, é fator de suma importância.

 

IPLD: Textos de notícias e seus hiperlinks auxiliam às análises de inteligência financeira ou representam apenas informações descartadas?

Joaquim da Cunha Neto: O que não se recomenda é uma comunicação defensiva que não traga informações adicionais nenhuma da movimentação financeira, nada que represente uma suspensão. Uma comunicação que chamamos de: comunicação reativa, aquela que é feita simplesmente para informar sobre aquela pessoa que apareceu numa mídia. Estou aqui comunicando, dizendo que não tem nada relevante aqui comigo, com a minha instituição. Este tipo de comunicação acaba impondo custos para o comunicante, para a unidade financeira e até para a autoridade financeira que receberá um relatório sem nada a acrescentar. Por outro lado, estas situações de mídia são fundamentais, às vezes, até para explicar, ou identificar o que está suspeito naquela movimentação. 

 

     
    Então, separando as duas  situações, eu volto afirmar, toda e qualquer informação, desde que relevante para a Inteligência Finaceira, é bem-vinda para uma comunicação.    
     

 

IPLD: Como a regulamentação brasileira vem tratando, de forma geral, diferenciando-as entre si, as comunicações definidas no estrangeiro por: “STR, SAR e CTR”; e como são tratadas pela análise de Inteligência Financeira e disponibilizadas no RIF?

Joaquim da Cunha Neto: Estas comunicações, este padrão é quase universal, todas as unidades de Inteligência Financeira, basicamente utilizam este padrão no mundo. O que quer dizer? Quer dizer operações realizadas em espécie e operações não necessariamente, em espécie, mas consideradas suspeitas. Definindo melhor, a operação em espécie ela é de comunicação obrigatória, dentro dos limites estabelecidos nas normas de cada órgão regulador, no caso do Banco Central a norma estabelece que todo depósito, saque ou pagamento em espécie ou provisionamento de valor igual ou superior a cinquenta mil reais, deve ser comunicado ao Coaf, independentemente de análise, não há sobre esta operação uma análise de mérito. Alguém depositou, sacou em espécie acima deste limite, ou igual a este limite, esta comunicação será feita ao Coaf à Unidade de Inteligência Financeira, esta é a comunicação CTA. O outro tipo de comunicação é a chamada comunicação de operação suspeita, STR. Este tipo de comunicação pressupõe não só uma operação, pode ser várias operações e também pressupõe uma análise de mérito. Há obrigatoriedade de uma análise por parte comunicante. Com aqueles requisitos que já discutimos anteriormente, e que seja comunicada com análise de mérito, uma manifestação por parte desta comunicação dizendo que ali está presente uma operação suspeita. Do ponto de vista da unidade de Inteligência Financeira, qual a diferença na abordagem, qual a diferença no nosso processo de análise? Para contextualizar, o Coaf recebe hoje, aproximadamente, quinze mil comunicações de operações suspeitas por dia, a maioria absoluta destas comunicações são operações em espécie, não seria razoável nem imaginar que pudéssemos mergulhar os analistas olhando quinze mil comunicações diárias e, vamos voltar ao conceito, uma das comunicações de operações em espécie não necessariamente representa uma operação suspeita por definição.

 

 

IPLD: Diante da ausência, aparente, de delimitação precisa do alcance da expressão “Pessoas Politicamente Expostas”, e da definição abrangente proposta pelo FATF- GAFI incluindo os chefes dos Poderes do Estado, elevadas autoridades, agentes públicos e autoridades em função de gerência, pessoas próximas e relacionadas dentre outras? Quais os parâmetros em geral que se têm adotado na prática entre as pessoas obrigadas e inteligência financeira no tocante às comunicações envolvendo referidas pessoas? Há sensação de ausência de comunicação de PEPs que deveria ser comunicada ou a comunicação de outros que não se enquadrariam. Quais são as sugestões para equacionar tais questões?

Joaquim da Cunha Neto: Este é um assunto bastante interessante, Pessoa Politicamente Exposta. Em primeiro lugar, é preciso que tenhamos presente que: 

 

     
    Pessoa Politicamente Exposta não é por definição uma  pessoa suspeita. O que se deve ter é, especial atenção às operações realizadas por essas pessoas.    
     

 

Este é o primeiro ponto. Historicamente, o GAFi definiu que os países deveriam criar regras para tratar com especial atenção as movimentações financeiras realizadas por Pessoas Politicamente Expostas. Primeiro desafio é definir quem são essas Pessoas. O Brasil optou, no início, e várias normas ainda seguem esta direção, de incluir um rol de posições, funções no setor público, que seriam consideradas as Pessoas que ocupam estas funções seriam consideradas como Pessoas Politicamente Expostas e incluiu um item que é bastante complexo, que seriam os parentes ou de relacionamento próximo a elas. Isso dificulta sobremaneira a vida dos comunicantes que têm dificuldade de monitorar quem são estes parentes ou pessoas de relacionamento próximo. Com esta dificuldade em vista, o Coaf publicou, em dezembro de 2007, uma nova regra sobre Pessoas Politicamente Expostas aplicáveis, obviamente, aos setores regulados pelo Coaf. Vale lembrar que a lei 9.613 diz que aqueles setores que não possuem órgão regulador próprio, serão para fins de PLD, para fins de prevenção à lavagem de dinheiro, regulados pelo Coaf. Esta resolução do Coaf, a resolução 29, traz um conceito um pouco diferente. Primeiro, ela só trata do chamado PEP principal, ou seja, PEP é quem ocupa esta função ou este cargo público, mas já não considerou Pessoas Politicamente Expostas os parentes e pessoas de relacionamento próximo diretamente, esta norma considera pessoas sobre as quais as movimentações devem ser consideradas de especial atenção.

 

Considerações finais:

Joaquim da Cunha Neto:

Do ponto de vista do Coaf, nós estamos sempre à disposição. Para nós é sempre um prazer, poder estar sempre em contato, não somente com as pessoas obrigadas que sempre recebemos aqui, mas também com as autoridades de prossecução que são os consumidores finais destes trabalhos do Coaf e mais, com as entidades que representam o engajamento com este tema. Quando se diz que, aparentemente, demostramos ter amor pelo tema, este é realmente um tema apaixonante e quando começamos a trabalhar com ele dificilmente você se afastará. Ele envolve as pessoas e permite a elas uma clara sensação de que, ao trabalhar com ele, contribui-se para a melhoria da nossa sociedade, do nosso país. Neste trabalho, que estamos fazendo junto com os setores obrigados, com as autoridades de prossecução e as entidades que tratam do tema, exemplo do IPLD, nós estamos, sem dúvida nenhuma, construindo um Brasil melhor.