25/04/2022

Regulamentação do Mercado de Criptoativos no Brasil

25/04/2022

Ganhando destaque nos últimos dez anos, especialmente, em razão do avanço tecnológico, os criptoativos surgiram com a promessa de revolucionar o mercado financeiro tradicional e garantir aos cidadãos mais autonomia, privacidade e segurança financeira.

Apoiados em uma estrutura descentralizada, que é caracterizada por uma rede distribuída, onde não há poder concentrado em uma entidade, pessoa ou órgão governamental.

As criptomoedas são emitidas e transacionadas por meio da tecnologia Blockchain, que funciona, basicamente, como um livro razão digital, onde são registradas de forma permanente e imutável, todas as transações de alteração de titularidade das criptos, que podem ser visualizadas por qualquer membro da rede, o que evita, consideravelmente, a possibilidade de fraudes.

Ao redor do mundo, os países não conseguiram acompanhar esse avanço na mesma velocidade e as legislações que regulamentam o funcionamento da criptoeconomia, ou seja, do ecossistema de negócios que atuam em torno dos criptoativos, prestando serviços nessa área, são escassas.

De um lado, muitos países, como México e Brasil emitiram alertas e comunicados oficiais informando que as criptomoedas não são consideradas moedas de curso legal. Outros, como Bangladesh e Argélia simplesmente proibiram a utilização de criptoativos no território, o que nem sempre é muito efetivo.

Em sentido contrário, no ano de 2021, El Salvador adotou o Bitcoin como moeda de curso legal, e, mais recentemente, a Ucrânia, pressionada pela crise com a Rússia, aprovou o projeto de lei que torna legal a utilização dos ativos virtuais.

No Brasil, operações com criptoativos não são proibidas, e, até o momento, a única normativa específica para o segmento é a IN nº 1888 da Receita Federal Brasileira, que dispõe sobre a obrigação acessória de prestar informações sobre transações com criptoativos, tanto das exchanges, quanto das pessoas físicas e jurídicas que o fazem com exchanges no exterior, ou peer-to-peer, ou seja, sem intermediação de uma exchange.

Em matéria tributária, temos, ainda, a necessidade de se fazer a apuração do ganho de capital em operações de compra e venda de criptoativos e, se necessário, recolher o imposto devido.

Quanto ao marco regulatório da criptoeconomia, alguns projetos estão em trâmite nas casas legislativas, os quais passaremos a analisar a seguir:

O PL nº 2303/2015 de iniciativa da Câmara dos Deputados foi a primeira proposta de regulamentação apresentada para votação e tem como objetivo incluir as moedas virtuais na definição de “arranjos de pagamento”, colocando-as sob a supervisão do Banco Central.

Quanto a primeira versão desse projeto, podemos destacar três pontos mais significativos:

  1. Definição da competência do Banco Central do Brasil como órgão responsável pela regulamentação de arranjos dos pagamentos das moedas virtuais;
  2. Nas operações envolvendo as moedas virtuais, em casos de crimes financeiros, seria aplicada a Lei 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; visando a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos; e
  3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às operações envolvendo moedas virtuais.

A proposta do PL nº 2303/15 foi aprovada pela Câmara dos Deputados em Dezembro/2017 na forma do substitutivo apresentado pelo relator, deputado Expedito Netto, em 13 de dezembro de 2017, sendo enviada ao Senado para prosseguimento dos trâmites legislativos, passando então a tramitar sob o nº  4401/21.

O texto aprovado traz importantes definições, esclarecendo melhor o conceito de ativos virtuais, classificados como: “representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”, e, ainda, quanto ao enquadramento de empresas na categoria de corretoras de criptoativos (“exchange”).

Além disso, o projeto original foi alterado no que se refere à indicação do Banco Central como órgão regulador, de modo que deva ser indicado pelo Poder Executivo o órgão responsável por autorizar e controlar o funcionamento das corretoras de criptoativos. Acredita-se, todavia, que de todo modo esse órgão fiscalizador do mercado cripto será o Banco Central, de modo que as exchanges, antes de atuar no mercado brasileiro, deverão obter autorização e registro prévio no referido órgão.

Outro destaque é a alteração ao Código Penal, criando-se um novo tipo de estelionato, imputável a quem “organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”, tendo como pena a reclusão de 4 a 8 anos e uma multa.

Para as exchanges serão impostos deveres e condições que deverão ser obrigatoriamente cumpridos para obtenção de registro prévio e manutenção de atuação no território nacional, dentre eles está o dever de compartilhar informações sobre as suas atividades com os órgãos governamentais, o que já acontece no âmbito da Instrução Normativa nº 1888 da Receita Federal.

A regulamentação visa, ainda, criar diretrizes para a criptoeconomia, devendo o mercado ser baseado em boas práticas de governança e uma abordagem baseada em gestão de riscos, segurança da informação e proteção de dados pessoais, proteção e defesa de consumidores e usuários e prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, em alinhamento com os padrões internacionais.

O deputado Aureo Ribeiro, apresentou em 2019, o Projeto de Lei nº 2060/2019, que por ter uma natureza complementar, foi fundido ao Projeto de Lei nº 2303/15.

Esse segundo projeto, em seu texto originário, tinha como objetivo dispor sobre o regime jurídico dos Criptoativos, e definir regras sobre operações envolvendo ativos virtuais utilizados como meio de pagamento, reserva de valor, utilidade e valor mobiliário, bem como majorar a pena do crime de Pirâmide Financeira, bem como para crimes relacionados ao uso fraudulento de Criptoativos.

O texto trazia ainda a conceituação de tokens virtuais e que são enquadradas como intermediador de Criptoativos: “a pessoa jurídica prestadora de serviços de intermediação, negociação, pós negociação e custódia de Criptoativos.”

Segundo este projeto, apenas estaria submetido à regulamentação de criptoativos aqueles que por sua natureza ou pela natureza dos bens, serviços e/ou direitos subjacentes, não estejam sujeitos à regulação específica, como é o caso dos valores mobiliários, e se assim fossem considerados, estes deveriam se submeter à regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários.

Em 2021, foi apresentado pelo Deputado Victor Hugo o Projeto de Lei nº 2234/21, que não trata especificadamente sobre a regulamentação do mercado de criptoativos, mas apenas prevê alteração à Lei nº 9.613/98, para majorar a pena do crime de lavagem de dinheiro praticado por meio da utilização de criptomoedas ou por intermédio de organização terrorista e prever a compra e venda de criptomoedas como atividade que obrigada adoção de medidas de controle, como identificação do cliente (KYC) e a comunicação de operações financeiras que contenham indícios da prática de crimes.

Segundo o deputado Victor Hugo: “O presente projeto de lei possui três finalidades: obrigar as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, a compra e venda de criptomoedas, a observar os artigos 10 e 11 da Lei nº 9.613/1998 – Lei de Lavagem de Dinheiro”.

Outro projeto que deu início da Câmara dos Deputados é o nº 3908/21 proposto pelo Deputado Luizão Goulart, que também não trouxe contribuições em matéria de regulamentação, mas previu a possibilidade do pagamento de salários em criptomoedas, quando assim for a opção do trabalhador.

De originação do Senado Federal, temos em trâmite o Projeto de Lei nº 3825/2019, de autoria do Senador Flavio Arns, e que tem como objetivo disciplinar serviços referentes a operações realizadas com criptoativos em plataformas eletrônicas de negociação.

Este projeto esclarece os conceitos de criptoativos, plataformas eletrônicas e exchanges de criptoativos e define diretrizes que devem nortear o mercado de criptoativos.

Além disso, prevê um sistema de licenciamento das exchanges, contendo requisitos e obrigações mínimas às empresas para que possam ser autorizadas a negociar regularmente criptoativos no Brasil, com o objetivo de dar segurança e credibilidade ao mercado e proteger os usuários e a ordem econômico-financeira do país, devendo o mercado se submeter às medidas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e outras práticas ilícitas previstas na Lei nº 9.613, de 1998.

Atribui ao Banco Central do Brasil a atuação na regulação, fiscalização do mercado de criptoativos e traz disposição expressa no sentido de que os criptoativos, via de regra, não se submetem à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, exceto quando se revestirem de característica de valor mobiliário mediante oferta pública para captação de recursos da população, o que costuma ocorrer em práticas de Initial Coin Offering (ICO).

Por fim, cria novo tipo penal com penas rigorosas para combate à gestão fraudulenta ou temerária de exchanges de criptoativos e agravadas para a prática de pirâmide financeira, tendo em vista que o atual crime geral de pirâmide financeira previsto no inciso IX do art. 2º da Lei nº 1.521 de 26 de dezembro de 1951 possui penas em patamares irrisórios.

O projeto do Senador Flávio Arns passou a tramitar em conjunto com o Projeto de Lei nº 3949/2019 de autoria do também Sanador Styvenson Valentim, uma vez que ambos possuem redações semelhantes, de modo que o texto do Projeto de Lei nº 3949/2019 inova ao propor alterações à legislação tributária nacional para prever de forma expressa a incidência do imposto de renda na hipótese do ganho de capital obtido na alienação de criptoativos, conduta já adotada na prática pela Receita Federal Brasileira.

Outro projeto que iniciou a tramitação conjunta com o do Senador Flávio Arns é o apresentado pela Senadora Soraya Thronicke, PL nº 4207/2020, e de forma semelhante o texto estabelece normas para a emissão de moedas e outros ativos virtuais, condições e obrigações para as pessoas jurídicas que exerçam atividades relacionadas a esses ativos (exchanges).

Atribui competências fiscalizatórias e regulatórias à Receita Federal no que se refere à tributação, ao Banco Central do Brasil nas circunstâncias específicas em que a emissão, a transação ou a transferência de ativos virtuais, por sua natureza, integrem os arranjos de pagamento do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), à Comissão de Valores Mobiliários quando as atividades envolvam ativos que por sua natureza se enquadrem no conceito de valores mobiliários.

Além disso, prevê a competência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras de supervisar e regular as exchanges com relação aos crimes previstos nas leis nº 9.613/98 e da Lei nº 13.974/20 e, complementarmente, tipifica condutas praticadas com ativos virtuais com o objetivo de praticar crimes contra o Sistema Financeiro, inclusive os de pirâmide financeira.

Por fim, a Senadora recomenda a criação de um Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente (CNPEP).

No dia 22 de fevereiro de 2022 foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) projeto substitutivo apresentado pelo Senador Irajá Silvestre Filho, que recomenda o acolhimento do Projeto de autoria do Senador Flávio Arns, com modificações, e considera os demais, de criação dos Senadores Styvenson Valentim e Soraya Thronicke prejudicados.

De modo semelhante às alterações feitas ao Projeto de Lei nº 2303/15, o substitutivo do Senador Irajá não indica um órgão específico responsável pela regulação e fiscalização do mercado de criptoativos, atribuindo ao Poder Executivo a competência de indicá-lo, bem como a de definir normas para prevenção de crimes, em especial, à lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo.

Para a exchanges que já estejam em atividade, o projeto recomenda a concessão de um prazo de até 06 (seis) meses após a publicação da legislação para adequação, prevendo um procedimento simplificado para a obtenção da autorização prévia, cabendo ao órgão indicado pelo Poder Executivo definir não só as diretrizes de funcionamento, mas também aprovar movimentações societárias, estabelecer condições para exercícios de cargos de direção.

Uma novidade do substitutivo é a previsão de incentivo fiscal válido até 31 de dezembro de 2029 com aplicação de alíquota zero para PIS, Cofins Importação, IPI Importação e Imposto de Importação às empesas empresas que comprem máquinas (hardware) e ferramentas computacionais (software) para processamento, mineração e preservação de ativos virtuais.

O Senador Irajá manteve a recomendação da Senadora Soraya na criação Cadastro Nacional de Pessoas Politicamente Expostas (CNPEP) e prevê a incluisão de disposições na Lei de Crimes Financeiros para exchanges que prestem serviços sem autorização prévia e no Código Penal a tipificação da fraude em prestação de serviços de ativos virtuais.

Os inúmeros projetos citados acima e que tem como objetivo regulamentar o mercado de criptoativos demonstra uma certa preocupação do poder legislativo em definir o quanto antes regras aplicáveis ao setor, em especial no que se refere ao órgão regulador responsável por fiscalizar a atuação das exchanges, a imposição de autorização prévia e inclusão de penalidades para quem incorra em crimes contra o sistema financeiro utilizando-se de criptoativos.

Acredita-se que com o avanço das votações nas casas legislativas, principalmente, dos Projetos de Lei nº 2303/15 do Deputado Aureo Ribeiro e o nº 3949/2019 do Senador Flávio Arns, a aprovação de uma regulamentação no Brasil não deve demorar.

Por essa razão, é importante que as exchanges atuantes no mercado nacional estejam atentas à adequação de suas atividades e, ainda que previamente à publicação e início de vigência de regulamentação, busquem atender os pontos críticos que servem de justificativa para as inúmeras propostas, como iniciativas que visem a prevenção à lavagem de dinheiro e do financeiro ao terrorismo e outros crimes contra a sistema financeiro e o cumprimento da legislação de Proteção de Dados e adoção de medidas de Segurança da Informação, assim, estarão em vantagem na hipótese de eventual exigência de autorização prévia de funcionamento.

Referências:

https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadVoto.asp?arquivo=/Votos/BCB/2017246/Voto_2462017_BCB.pdf

https://www.investidor.gov.br/publicacao/Alertas/alerta_CVM_CRIPTOATIVOS_10052018.pdf

https://www.banxico.org.mx/publicaciones-y-prensa/miscelaneos/%7B56A7FE3D-C30E-86ED-E5C9-D9876D47D21E%7D.pdf

http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=100592

https://cointelegraph.com.br/news/the-number-of-countries-banning-crypto-has-doubled-in-three-years

https://www.infomoney.com.br/mercados/el-salvador-se-torna-1o-pais-a-adotar-o-bitcoin-como-moeda-corrente/

https://epocanegocios.globo.com/Futuro-do-Dinheiro/noticia/2022/03/presidente-da-ucrania-sanciona-lei-que-legaliza-mercado-de-criptomoedas.html#:~:text=Projeto%20foi%20assinado%20por%20Volodymyr,digitais%20para%20ajuda%20na%20guerra&text=O%20presidente%20ucraniano%20Volodymyr%20Zelensky,mercado%20de%20criptomoedas%20no%20pa%C3%ADs.

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1555470

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196875

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2287528

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2305840

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137512

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/144036

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137644

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151137

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139730

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/148197

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9073826&disposition=inline#Emenda2

Autor: Emília Malgueiro Campos

Advogada, sócia do Malgueiro Campos Advocacia, certificada como Data Protection Officer pela Exin, autora do Livro Criptomoedas e Blockchain, O Direito do Mundo Digital (Lumen Juris) e fundadora do Canal Descomplicando o Direito.