03/12/2018

Brasil pode ser punido se não tiver lei mais dura contra lavagem de dinheiro

03/12/2018

O Brasil corre sério risco de em fevereiro ser o primeiro país a ser suspenso do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) e sofrer outras punições caso o Congresso não aprove ainda este ano o projeto de lei (PL) 10.431/2018, que alinha a legislação brasileira de combate ao terrorismo e à lavagem de dinheiro às recomendações da Organização das

das Nações Unidas (ONU), acelerando, por exemplo, o processo de bloqueio de bens.

O Valor apurou que o tema é alvo de grande preocupação na área econômica, em especial pelo atual comando do Banco Central, presidido por Ilan Goldfajn, e também pelo indicado para ser o seu sucessor, Roberto Campos Neto. O temor é sobre os possíveis desdobramentos econômicos negativos da retirada do Brasil desse grupo. A leitura é que há

risco não desprezível de saída de capitais e restrição a ingressos de novos investimentos. Esse cenário já provoca também inquietação em parte do sistema financeiro nacional.

Como esse será um evento inédito, a mensuração dos riscos não é muito clara. Mas vale lembrar que bancos que operam nos Estados Unidos são multados quando fazem operações com países que estão na lista dos que não combatem o terrorismo e a lavagem de dinheiro, ou seja, a suspensão do Brasil do acordo internacional pode acarretar uma atitude defensiva por parte das instituições financeiras globais e dificultar transações em âmbito internacional.

De qualquer forma, mesmo que os impactos econômicos negativos não tenham materialização rápida e intensa, a visão é que o dano à imagem do país é muito grave, pois o colocaria ao lado de nações como Líbia, Irã, Sudão, Coreia do Norte e Cuba.

Na sexta-feira, o assunto foi abordado também pelo futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, que pediu que o projeto seja aprovado. A declaração de Moro também está relacionada a essa preocupação das áreas econômicas do atual e do futuro governos, com quem ele tem mantido conversas.

Apresentado em junho ao Congresso, a matéria ganhou o carimbo de urgência na Câmara há cerca de dez dias. Apesar disso, o texto ainda não tem um relator de plenário designado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem sido acionado tanto por Moro quanto por interlocutores da área econômica para fazer avançar a matéria.

O projeto obriga que todos os órgãos do governo, empresas e entidades brasileiras executem imediatamente sanções do Conselho de Segurança da ONU contra organizações e pessoas envolvidas com terrorismo, financiamento de terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa, que terão seus ativos e contas bloqueados, restrição a entrada e saída do país e de importação ou exportação de bens.

Na oposição, há preocupações de que o projeto, que substitui uma lei aprovada em 2015 e que a ONU considerou insuficiente, sirva para criminalizar movimentos sociais, como o dos Sem-Terra (MST). Um dispositivo do artigo terceiro dá alguma margem para essa dúvida, ao dizer que o bloqueio de bens ocorrerá “a requerimento de autoridade brasileira na hipótese de a pessoa natural, a pessoa jurídica ou a entidade ser objeto de designação nacional”. O texto prevê a possibilidade de recurso ao Judiciário de quem não concordar com a punição.

Líder do PT na Câmara, o deputado Paulo Pimenta (RS) afirma que na maioria dos países signatários desse tratado há uma conceituação clara do que são organizações terroristas. “Mas aqui estamos num governo que busca ampliar esse conceito e criminalizar movimentos sociais legítimos. Por esse conceito deles, por exemplo, a greve dos caminhoneiros poderia ser classificada como terrorista”, diz. O partido tentará evitar a aprovação, reforça, até que “se saiba claramente quais serão as consequências”.

No governo, contudo, a leitura é que o projeto define que as sanções a serem impostas para quem estiver associado a terrorismo ou financiamento só são aplicáveis a pessoas e organizações listadas pelo Conselho de Segurança da ONU. Ou seja, esse órgão internacional teria que enquadrar alguns movimentos nessa lista de crimes para que as sanções fossem aplicadas.

A visão é que o projeto, ao alinhar a legislação local, faz com que os atos do Conselho de Segurança da ONU tenham execução imediata no que tange ao terrorismo. “[O texto] promove a necessária agilidade no cumprimento de medidas cautelares determinadas por resoluções do CSNU no Brasil. Estabelece que as resoluções do CSNU que resultem em

indisponibilidade devem ser cumpridas sem demora e sem prévio aviso aos sancionados”, segundo análise interna do governo obtida pelo Valor.

Na exposição de motivos do projeto enviado pelo governo federal, destaca-se “que o não cumprimento das Recomendações do GAFI pode implicar em retaliações, que se agravam na medida em que um país demore em sanar as deficiências”. No limite, o país que não adequar sua legislação pode ser excluído até de outros grupos ou organismos internacionais mais importantes que o GAFI, como o G-20, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, ainda que tais punições não estejam no radar e sejam vistas como extremas. “A eventual aplicação dessas sanções teria efeitos negativos tanto à imagem internacional de um país quanto para sua atuação nos principais mercados financeiros internacionais”, diz o texto.

Para a área econômica e para Moro, o ideal é que o projeto seja aprovado na Câmara ainda esta semana (está na pauta de quarta-feira). Isso permitiria que o Senado tivesse tempo de votar o projeto ainda neste ano e que a sanção presidencial ocorresse antes da reunião de fevereiro do GAFI. O Congresso sai de recesso em três semanas e só volta em fevereiro.