24/05/2021

Especial ESG: Após Lava-Jato, empresas avançam em políticas anticorrupção

24/05/2021

Setor privado investe mais em programas de compliance, com treinamento até em braile. Mas há retrocessos na esfera governamental, dizem analistas

SÃO PAULO – O combate à corrupção no Brasil vive uma fase de sinais trocados. Enquanto especialistas veem uma piora no quadro institucional, que vai desde reversões de condenações judiciais e desmonte de operações à falta de prioridade política do governo ao tema, empresas vivem seu melhor momento na implementação de políticas anticorrupção, dizem. Situação inversa à vivida há sete anos, quando começava a Operação Lava-Jato.

— Após a Lava-Jato e outras operações, aumentou a pressão sobre as empresas, que abraçaram de forma clara esta política. Por outro lado, houve grandes retrocessos institucionais no combate à corrupção na América Latina nos últimos dois anos. No Brasil, isso é visto nas ações do Judiciário, Ministério Público e órgãos do governo — afirmou Geert Aalbers, presidente da consultoria Control Risks no Brasil.

Leonardo Lopes, sócio da PwC Brasil, aponta que as notícias de corrupção cresceram com a pandemia, como as suspeitas de desvios de recursos públicos das ações contra a Covid-19. Mas elas envolvem, agora, empresas menores, um sinal de avanço nas grandes. Mesmo as que criaram programas de compliance não podem se descuidar:

— Podemos fazer um paralelo com a Lei Seca. Sempre existiu norma que proibia motoristas de beber, mas isso só se tornou uma realidade quando começaram as blitzes. O monitoramento da conformidade é muito importante agora.

 

Canal independente

Manter os avanços obtidos é uma das metas da JBS, gigante de proteína animal que viu seu nome envolvido em operações da Polícia Federal como Greenfield, Bullish e Carne Fraca.

Marcelo Proença, diretor global de compliance da empresa, afirma que os 140 mil funcionários da companhia, em todo o mundo, fazem ao menos um treinamento de conformidade por ano.

Outros, dependendo da função, podem fazer mais que um. Assim, no ano passado, foram realizados 200 mil treinamentos, que estão disponíveis em plataformas especiais, incluindo libras (para cegos), adaptação para analfabetos e até um software para daltônicos.

— Estamos levando o treinamento para nossos parceiros. Todos que negociam com a JBS precisam, agora, assinar um código de conduta, e que precisa ser respeitado — disse Proença.

O executivo afirma que o canal independente para denúncias, com garantias de não-perseguição, recebe mensalmente cerca de 290 relatos por mês, que são averiguados por empresas especializadas, e que não apuram apenas denúncias de desvios, mas de má conduta profissional e assédio.

Ele garante que este volume mostra que o sistema funciona e está na média esperada para uma empresa com o porte da JBS. Proença se recusou a comentar o eventual retrocesso do país na luta anticorrupção apontada pelos especialistas, mas reafirmou que a mudança na JBS é para valer:

— Se o Brasil quer regredir nisso, tornando-se um péssimo concorrente no mercado global, a JBS não quer.

 

Sem ‘atalhos’

Este posicionamento de não retroceder na luta anticorrupção, mesmo que as instituições brasileiras flexibilizem normas ou afrouxem controles, é comum às grandes companhias que passaram por escândalos.

Leonardo Galvão, presidente da Construtora Camargo Corrêa, afirma que a transformação pela qual a empresa passou está internalizada:

— Para nós, isso é muito claro: vamos perder negócios, mas não vamos mais usar atalhos ou subterfúgios. E isso faz a empresa ser muito mais saudável e íntegra — disse.

Galvão afirma que isso está no DNA da empresa e prova disso é sua chegada ao topo da holding vindo da diretoria jurídica e de compliance.

Agora, todos os integrantes do Conselho de Administração são independentes, e a Camargo Corrêa recebeu a certificação ISO 37.001, concedida às empresas com eficientes programas antissuborno.

Outrora sinônimo global de corrupção, a transformação na Odebrecht foi tão profunda que a empresa até mudou de nome.

Hoje, atende por Novonor, para provar que “virou a página”. Olga Pontes, chefe do compliance da empresa, frisa que a cultura empresarial é nova e que isso se reflete no quadro dos funcionários: 52% deles entraram no grupo após o acordo de leniência com a Lava-Jato.

 

Regulamentação do lobby

— Firmamos uma série de compromissos com diversas autoridades e tivemos uma averiguação do compromisso que assumimos. Foi algo bem amplo, e o resultado disso tudo é uma espécie de certificação, um reconhecimento que conseguimos implementar, de forma sustentável, uma política de ética, integridade e transparência — afirmou Olga, referindo-se a monitoramentos de órgãos como o Departamento de Justiça dos EUA e o MPF brasileiro.

Além de novo batismo, a empresa lançou, no começo do ano, seu novo Propósito, Compromisso e Visão 2030:

— Estes documentos são nossos guia e seremos exemplo global de conformidade.

Para Carol Venuto, presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), mesmo com todos os reveses da Lava-Jato, a operação colocou um holofote sobre o combate à corrupção no Brasil, que gera resultados até hoje. Porém, ela afirma que é preciso fazer mais, inclusive com novas leis e normas:

— A regulamentação do lobby no país ajudaria muito, evitando mal-entendidos que pode levar a casos de desvios.

Fonte: O Globo

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