15/12/2021 Atualizado em : 02/04/2024

Os impactos da Resolução CMN nº. 4.949/2021 para Compliance e PLD-FTP

15/12/2021 Atualizado em : 02/04/2024

Criptomoeda, hoje, é um termo considerado obsoleto por muitas pessoas inteiradas no universo crypto. Essa obsolescência é resultado da crescente diversidade e quantidade do que se decidiu chamar de criptoativo.

É verdade que o bitcoin – o primeiro de todos os criptoativos descentralizados – é uma criptomoeda, já que, entre outras coisas, é intrinsecamente um meio de pagamento e uma reserva de valor, que são duas qualidades diretamente ligadas a moedas fiduciárias – aquelas com as quais sempre fomos acostumados, como o dólar, o real, o euro, o peso argentino e as rúpias.

Acontece que, desde o surgimento do bitcoin (no ano de 2009), ocorreu não apenas um processo de crescente notoriedade dessa criptomoeda, mas – também – de sua tecnologia subjacente: o blockchain

Blockchain, embora muito associado ao bitcoin, não se confunde com esse criptoativo em si, já que, de modo bastante resumido, se trata de uma espécie de registro distribuído (ou distributed ledger, no jargão da TI) que se diferencia, além de outros fatores, por seu caráter descentralizado, peer-to-peer, criptografado e seguro em relação aos dados que armazena. 

Ou seja, blockchain é uma tecnologia que pode servir para muitas coisas além de uma criptomoeda. Por esse e por outros motivos, após o bitcoin, foram criados diversos outros criptoativos com base na mesma tecnologia que embasa o bitcoin, a blockchain

Se baseados na mesma tecnologia do bitcoin, por que, então, esses outros criptoativos não foram chamados também de criptomoedas? Bem, aqueles que são inerentemente meios de pagamento e reserva de valor são – assim como a criptomoeda bitcoin – chamados de criptomoeda. 

Porém, a difusão da tecnologia blockchain acarretou o surgimento de ativos digitais que não carregam, pelo menos não em caráter principal, a conotação de um meio de pagamento ou de reserva de valor. Por isso, não há sentido algum em atribuir a esses ativos a nomenclatura de criptomoeda, daí o surgimento do termo criptoativo, que tem caráter mais genérico em relação – por exemplo – à conotação específica da categoria criptomoeda.

Outra espécie de criptoativo é, a título de exemplo, o token, que consiste em um ativo que proporciona a seu detentor certas utilidades, possibilidades de consumo e até mesmo direitos econômicos específicos. De modo geral, tokens são representações digitais – verificáveis publicamente por meio de uma blockchain – de interesses, direitos de acesso a determinados ativos, produtos ou serviços. Por isso, tokens são comumente utilizados para a angariação pública de recursos para iniciativas empreendedoras, tais como startups e ideias inovadoras em geral.

Quando utilizados como um meio de crowdfunding, é bastante comum que o token atribua àquele que o adquire direitos a voto e, até mesmo, de utilização do serviço que será explorado após a captação de investimentos pela entidade captadora. Ou seja, tokens extrapolam (e muitas vezes nem contemplam) a finalidade de meio de pagamento e reserva de valor.

Por esse e por outros motivos, a terminologia criptoativo tem se expandido cada vez mais.

Porém, o que criptoativos têm a ver com as políticas de PLD implementadas por exchanges, que são por muitos conhecidas como corretoras de criptomoedas (em uma analogia com corretoras de ações)?

Essa relação entre a multiplicidade de criptoativos e o conteúdo de políticas de PLD de exchanges reside na multidisciplinariedade que deve ser atribuída às políticas de PLD dessas empresas. 

Essa necessidade de abrangência multidisciplinar é constatada a partir da natureza plural dos criptoativos. Afinal, o bitcoin – uma criptomoeda – se presta a finalidades completamente diferentes de um non-fungible token (NFT) de uma obra de arte virtual e de um token destinado ao financiamento de um projeto de combate ao aquecimento global, por exemplo.

Assim, como exchanges são – muitas vezes – um ambiente de negociação de criptomoedas, non-fungible tokens e outros tokens, não há sentido algum que a política de PLD dessas companhias tenha como norte, apenas, as especificidades relacionadas à mercantilização de ativos que se prestam a ser meio de pagamento e reserva de valor.

Esse quadro fica ainda mais claro quando recorremos a algumas analogias com mercados mais tradicionais que têm a si atribuídos regulações de PLD peculiarmente distintas. 

O mercado bancário (BACEN), por exemplo, é regulado de modo específico em matéria de PLD, assim como o mercado de obras de arte (IPHAN) e o de valores mobiliários (CVM). Contudo, será que podemos, a um banco, aplicar a mesma política de PLD que aplicamos a uma galeria de arte e a uma corretora de ações? Evidentemente, não…

Em um paralelo aqui traçado apenas para completar a analogia proposta, imaginemos que o mercado bancário – no universo crypto – está para as criptomoedas, enquanto a área de obras de arte está para os non-fungible tokens de obras artísticas digitais e o meio de valores mobiliários equivale a tokens distribuídos durante o financiamento coletivo de uma nova empresa, no qual foi concedido direito a voto em deliberações empresariais aos adquirentes desse token hipotético.

Portanto, por que deveria uma exchange que propicia transações relacionadas a criptoativos de todas essas naturezas ter uma política de PLD apenas voltada às peculiaridades das criptomoedas? Não parece haver sentido algum – sob uma perspectiva de se buscar uma política de PLD satisfatória – em manter políticas de PLD de exchanges limitadas apenas às especificidades das criptomoedas.

Contudo, essa analogia, aqui apenas lançada em caráter elucidativo, não sugere a adoção de uma solução cômoda de replicação de uma combinação de políticas de PLD de bancos, corretoras de ações e galerias de arte às políticas de PLD de exchanges, pois o universo crypto carrega consigo uma série de peculiaridades.

De todo modo, essa analogia exterioriza a necessidade de revisita das políticas de PLD das exchanges que autorizam a transação de variados criptoativos e lança o desafio de concepção de políticas de PLD abrangentes para exchanges, em razão da infinita e crescente variedade de criptoativos existentes nos dias de hoje.

Autor: Lucas Teider

Advogado e Consultor Empresarial Preventivo (Governança Corporativa, Compliance e PLD-FT)

Doutorando em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Paraná

Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC-PR

Sócio-Fundador do Rocha Teider Advocacia e Consultoria

Professor e Palestrante