15/07/2022

Por que as Listas Reputacionais não podem ser consideradas como crimes contra a honra?

15/07/2022

Um dos principais recursos de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, ao Financiamento do Terrorismo e à Proliferação de Armas de Destruição em Massa (PLD-FTP) são as Listas Reputacionais, que consistem em bancos de dados que apresentam uma compilação de informações de pessoas físicas e jurídicas mencionadas na mídia ou em demais listas restritivas como envolvida sem delitos.

A utilidade das Listas Reputacionais para as Instituições Financeiras e demais pessoas obrigadas justifica-se pela necessidade de implementação de procedimentos destinados a conhecer seus clientes, avaliando-se, inclusive, os riscos dos clientes. E, no ecossistema financeiro, um dos principais riscos que deve ser mitigado é o risco de imagem ou reputacional.

Portanto, para as pessoas obrigadas, as Listas Reputacionais devem ser um dos pilares de due diligencee avaliação de risco. Não obstante, a sua utilização não está restrita a tais entidades e pode ser estendida para todas aquelas organizações que queiram conceder efetividade aos seus processos de Integridade e Compliance.

Contudo, observam-se iniciativas e ações que tentam criminalizar as Listas Reputacionais como crimes contra a honra, sob alegações de que o armazenamento e compartilhamento das informações constantes das bases de dados se configura como difamação, eis que haveria uma atribuição de prática criminosa às pessoas físicas e jurídicas constantes das Listas Reputacionais, o que violaria suas reputações.

Neste sentido, tem-se que tais ilações, além de não serem adequadas,desconhecem as necessárias especificidades do ecossistema de Integridade,Compliance e, sobretudo, PLD-FTP.

A impossibilidade de criminalização das Listas Reputacionais decorre dos fatos de que, em primeiro lugar, não é crime meramente reproduzir e sistematizar uma notícia para fins de cumprimento de legislações e regulações específicas de proteção do sistema econômico e financeiro, sobretudo quando esta reprodução é feita de maneira objetiva, sem vieses, julgamentos subjetivos,predileções ou preterimentos.

Em termos mais técnicos, não há dolo, ou seja, vontade livre e consciente,e tampouco dolo específico, de imputar um fato ofensivo à reputação de quaisquer pessoas com a reprodução e sistematização de uma notícia em uma solução obrigatória para o ecossistema de PLD-FTP. Quando muito, teríamos uma nimus narrandie não uma nimus diffamandi.

Inclusive, como já mencionado, há um dever das pessoas obrigadas de análise reputacional e de produção de dossiês/perfis como um procedimento essencial de Conheça Seu Cliente (Know Your Customer–KYC), e não há crime em fazê-lo.Este entendimento é respaldado por diversas normas do ecos sistema internacional de PLD-FTP. Citam-se, como exemplos:

a) As Recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI),autoridade internacional máxima sobre o assunto de padrões internacionais de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa, e mais especificamente a Recomendação 10, que fala sobre as medidas preventivas e de devida diligência ao cliente, onde se inclui a Nota Interpretativa da Recomendação 10 e encontra-se no item “C”, de Devida Diligência ao Cliente (ou DDC), subitem 5, “a”, “(i)”, a identificação e verificação reputacional;

b) O artigo 10, inciso I, da Lei nº. 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro),que demanda das instituições financeiras e congêneres a identificação de seus clientes;

c) A redação literal do artigo 10 da Circular nº. 3.978/20 do Banco Central do Brasil, considerada a “Constituição” do ecossistema de PLD-FTP no país:

Art. 10.As instituiçõe sreferidas no art. 1º [ou seja, as instituições financeiras devem realizar avaliação interna com o objetivo de identificar e mensurar o risco de utilização de seus produtos e serviços na prática da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo

E, como se faz isso? O Banco Central do Brasil responde no § 1ºdo mesmo artigo:

§ 1º. Para identificação do risco de que trata o caput,a avaliação interna deve considerar, no mínimo, os perfis de risco:I–dos clientes[…].

O aspecto reputacional está expressamente incluído entre as obrigações de análise e diligência do mercado financeiro, como evidencia o § 2º do artigo10 da Circular nº. 3.978/20 do Banco Central do Brasil:

§ 2º.O risco identificado deve ser avaliado quanto à sua probabilidade de ocorrência e à magnitude dos impactos financeiro, jurídico,reputacional e socioambiental para a instituição.E a resposta para a pergunta de como tudo isso é feito na prática está no artigo 16,caput e § 1º, da mesma Circular:

Seção II
Da Identificação dos Clientes

Art. 16. As instituições referidas no art. 1º devem adotar procedimentos de identificação que permitam verificar e validar a identidade do cliente.

§ 1º. Os procedimentos referidos no caput devem incluir a obtenção, a verificação e a validação da autenticidade de informações de identificação do cliente, inclusive, se necessário, mediante confrontação dessas informações com as disponíveis em bancos de dados de caráter público e privado

Inclusive, as 40 Recomendações do GAFI e seus eixos (seguida pela Lei de Lavagem de Dinheiro, sobretudo a partir do artigo 11), estabelece a indispensabilidade dos procedimentos de Conheça Seu Cliente, com o dever internacional das pessoas obrigadas de identificar e qualificar o cliente, inclusive o seu fator reputacional, em seguindo à Recomendação nº. 1 do GAFI.

Portanto, não há juízo subjetivo de valor de culpado ou inocente, e tampouco uma diretriz dos birôs reputacionais de aceitação ou não das pessoas relacionadas como clientes das pessoas obrigadas, mas tão somente uma análise necessária. Portanto, cuida-se de uma lista informativa e não necessariamente restritiva.

Além disso, devem ser pouquíssimas as pessoas com acesso às informações das Listas Reputacionais, e com altas qualificações, conhecimentos especializados e acessos restritos (tanto por contratos e multas, termos de confidencialidade ou NDAs, quanto por segmentações tecnológicas). Isto porque os dados e informações concernentes à PLD-FTP são de extrema sensibilidade e não podem ser divulgadas a terceiros e tampouco às pessoas objeto das análises, como estabelece, por exemplo, o artigo 50 da Circular nº. 3.978/20 do Banco Central3, e os artigos 10, inciso V4, e 11, inciso II5, da Lei de Lavagem de Dinheiro, sob pena das sanções de seu artigo 126.

Isto considerado,outro fator que impede a criminalização das Listas Reputacionais como crimes contra a honra é o fato de que não deve haver divulgação ampla das informações, e os destinatários destas informações possuem não só o poder, mas o dever de não tomar tais informações como fatos desabonadores à honra, considerando-as como um mero input em sua enorme análise (entre outras, reputacional). Inclusive, há decisão no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo neste sentido.

Até mesmo porque, de acordo com as normas de PLD-FTP, é obrigatória a inclusão não apenas das pessoas jurídicas noticiadas como envolvidas em delitos, por exemplo, mas também das demais pessoas físicas relacionadas.E não há crime, entre outros motivos, em razão de que, aplicando-se o raciocínio reverso, se as relações não fossem noticiadas, sequer haveria a

3.Art. 50.As instituições referidas no art. 1º devem realizar as comunicações mencionadas nos arts. 48 e 49sem dar ciência aos envolvidos ou a terceiros.
4 .Art. 10.As pessoas referidas no art. 9º: […] V-deverão atender às requisições formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas,cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas.
5.Art. 11. As pessoas referidas no art. 9º: […] II-deverão comunicar ao Coaf, abstendo-se dedar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação,no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a proposta ou realização.
6.Que vão desde advertência até multas pecuniárias que podem chegar a R$ 20 milhões,inabilitação temporária pelo prazo de até 10 anos e cassação ou suspensão da autorização para o funcionamento.

inclusão das pessoas físicas e jurídicas nas Listas Reputacionais. Neste ponto,entretanto, é muito importante que as Listas Reputacionais compilem notícias e informações apenas de locais e publicações idôneas e fidedignas, com mecanismos para afastar as fake news.

Deste modo, em conclusão, o que as Listas Reputacionais fazem é meramente operacionalizar uma solução que é necessária e obrigatória para as instituições financeiras, entidades reguladas e demais pessoas obrigadas. E, se tal discussão fosse além, seria possível estabelecer que as pessoas obrigadas estariam em estrito cumprimento de um dever legal, ausência de exigibilidade de conduta diversa e até mesmo adequação social ante as obrigações de PLD-FTP.

É comum se falar que “conhecimento é poder”, e isso é verdade. Porém, o conhecimento também implica em deveres. E um deles é compreender integralmente o ecossistema de PLD-FTP, suas peculiaridades e necessidades para o cumprimento de sua missão.

 

 


Autor: Lucas Teider

Advogado e Consultor Empresarial Preventivo (Governança Corporativa, Compliance e PLD-FT)
Doutorando em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Paraná
Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUCPR
Sócio-Fundador do Rocha Teider Advocacia e Consultoria
Professor e Palestrante

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Edgard RochaAutor: Edgard Rocha

Vice-presidente do IPLD. Advogado graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) com intercâmbio em American Law pela University of Delaware-EUA. Mestrando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).