19/01/2023 Atualizado em : 20/11/2023

03: De que forma futebol e PLD estão relacionados?

19/01/2023 Atualizado em : 20/11/2023

De Pelé ao penta e a grandes craques de hoje, o futebol brasileiro atrai olhares – inclusive mal-intencionados. Eis a importância do futebol e PLD.

Arte por: Victor Rocha Martins

Esporte mais popular do planeta, o futebol costuma despertar paixões quando é discutido. Times do coração, craques de preferência, os lances mais espetaculares, as campanhas mais épicas… Mas ele também é um ramo de negócios, entre os mais lucrativos no esporte mundial, o que o expõe a riscos de lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros.

Isso talvez não surpreenda quem acompanha os noticiários e se lembre de escândalos como a Máfia do Apito (2005) ou o Fifagate (2015), quando foram revelados esquemas de corrupção no âmago do Brasileirão e da maior entidade mundial do esporte, respectivamente. Tampouco deve se surpreender quem trabalha com a área de PLD, acostumado à análise e à gestão de riscos em negócios vulneráveis a esse tipo de ilícito.

Deixando o romantismo de lado, em favor de um olhar mais objetivo para o futebol enquanto setor econômico que movimenta muito capital, logo se vê que seu modelo de negócios tem pontos frágeis, a serem acompanhados de perto para se evitar riscos de crimes financeiros. Alguns fatores são especialmente sensíveis.

Leia também: Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs), Governança e PLD-FTP

Pontos vulneráveis

Segundo Edgard Rocha, Head Jurídico, Compliance e Governança do IPLD, um dos principais pontos vulneráveis é a grande margem subjetiva na definição dos valores movimentados. “Imagine, por exemplo, a contratação de um jovem craque, bastante promissor, de um time brasileiro por um time inglês ou espanhol. Qual valor seria razoável? Depende muito.” explica Edgard. Dezenas, se não centenas, de milhões de reais podem parecer excessivo, mas no futuro aquele mesmo garoto pode fechar contratos publicitários ainda mais vultosos, ou então ganhar uma Copa do Mundo por seu país. E, com transferências dessa dimensão astronômica, malfeitores podem querer “pegar carona” para mascarar a ilicitude de seus rendimentos.

“O segundo fator se liga ao próprio modelo de negócios do futebol, que apresenta vulnerabilidades na sua estrutura”

“O segundo fator se liga ao próprio modelo de negócios do futebol, que apresenta vulnerabilidades na sua estrutura”, continua Rocha. Ele aponta ainda a configuração jurídica dos clubes, que muitas vezes peca na transparência; as contratações de jogadores; os patrocínios e contratos estabelecidos com grandes marcas; e o mercado de apostas em torno do esporte como ocasiões que apresentam riscos e que devem ser monitoradas com atenção constante.

“Não se trata, evidentemente, de estigmatizar o futebol ou suas entidades”, esclarece o advogado, “como se escândalos e malfeitos fossem intrínsecos”, inerentes. Também outras modalidades estão sujeitas a alguns dos pontos vulneráveis que o futebol apresenta – os riscos associados às apostas, por exemplo, afetam praticamente todos os outros esportes. No entanto, o futebol alcançou uma projeção excepcional, com prós e contras: seu simbolismo, seu impacto, seu poder de mobilizar as pessoas são imensos, assim como a possibilidade de atrair criminosos financeiros. Algumas medidas podem mitigar os riscos.

Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs)

Para Rocha, no caso do Brasil, a ação mais efetiva (e urgente) por parte dos clubes para estabelecer uma postura ativa na prevenção e no combate à lavagem de dinheiro seria a adesão, por partes dos clubes, ao modelo da Sociedade Anônima de Futebol (SAF).

As vantagens são evidentes. Mais próxima de uma gestão de empresa, a SAF favorece uma transparência e uma accountability que, se não eliminam, ao menos diminuem os riscos de movimentações suspeitas. Nesse modelo, os investidores tendem a pressionar a gestão por um saneamento das contas, das práticas e da reputação, já que ninguém quer seu dinheiro “desencaminhado”. Pelo mesmo motivo, o modelo da SAF estimula a profissionalização e a modernização dos dirigentes, pressionados a manter os clubes em nível competitivo, tanto no futebol quanto nos rendimentos.

A busca por modernizar as relações financeiras não exclui o respeito à tradição. Dirigentes ou torcedores não precisam ter medo de que, abrindo o capital do time, os investidores queiram mudar características fundamentais, como o nome, o hino, o brasão ou a cidade-sede. Todas elas estão protegidas. Edgard Rocha ressalta que o modelo da SAF prevê que, caso a associação civil original do clube tenha pelo menos uma ação, ela pode vetar alterações desse tipo, que descaracterizariam o time.

Com isso, os clubes brasileiros se aproximariam de algumas boas práticas do futebol internacional, em termos de administração. “Os times não precisam fazer como o Manchester United, que tem ações na Bolsa”, diz Rocha, “mas modernizações são bem-vindas”. Em especial as que tendem à transparência, à gestão de riscos e reputação, ao saneamento das práticas e contas dos clubes.

Os efeitos positivos não tardariam a se refletir no próprio futebol, no esporte mesmo. Talvez caiba aqui um pouco de romantismo: medidas desse tipo ajudariam a reerguer os clubes brasileiros e a colocá-los num patamar próximo, se não à altura, dos grandes times mundiais. Quem sabe até superá-los. Por que não? Afinal, não faltam atletas de alto nível por aqui, e nossa camisa tem peso.

Favorecendo administrações que esbocem e cumpram táticas contra as vulnerabilidades financeiras do esporte, e que façam uma marcação cerrada contra a lavagem de dinheiro, já se estaria na grande área da excelência fora de campo. Daí pro gol (literal ou figurado), não falta muito.

Referências

Veja abaixo uma seleção de resoluções do Coaf, matérias e artigos recomendados por Edgard Rocha:

Resoluções do Coaf:
– No. 36, de 10 de março de 2021: https://www.gov.br/coaf/pt-br/acesso-a-informacao/Institucional/a-atividade-de-supervisao/regulacao/supervisao/normas-1/resolucao-coaf-no-36-de-10-de-marco-de-2021
– No. 30, de 4 de maio de 2018: https://www.gov.br/coaf/pt-br/acesso-a-informacao/Institucional/a-atividade-de-supervisao/regulacao/supervisao/normas-1/resolucao-no-30-de-4-de-maio-de-2018
– No. 6, de 10 de março de 2021: https://www.gov.br/coaf/pt-br/acesso-a-informacao/Institucional/a-atividade-de-supervisao/regulacao/supervisao/normas-1/instrucao-normativa-coaf-no-6

Lei 9613:

“Art. 9º. Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:

XV – pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares;”

Matérias de interesse:

https://www.ipld.com.br/artigos/tipologia-de-lavagem-de-dinheiro-passe-do-jogador-de-futebol/

https://trivela.com.br/espanha/as-razoes-que-fazem-do-futebol-uma-maquina-de-lavagem-de-dinheiro/

https://www.economist.com/international/2013/07/13/welcome-to-the-beautiful-game

https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2009/07/090701_futebollavagemebc

https://oglobo.globo.com/esportes/futebol/mauro-icardi-mulher-sao-acusados-de-lavagem-de-dinheiro-na-argentina-1-25324843

https://ge.globo.com/negocios-do-esporte/noticia/2022/09/02/o-que-e-saf-entenda-o-formato-de-clube-empresa-que-mudou-o-futebol-brasileiro.ghtml

https://ge.globo.com/blogs/blog-do-rodrigo-capelo/post/2019/09/30/entenda-como-funcionam-os-clubes-empresas-em-alemanha-italia-inglaterra-e-portugal.ghtml


Autor: Da Redação