17/10/2019

Cartórios serão integrados ao combate à corrupção e lavagem de dinheiro

17/10/2019

Os cartórios brasileiros passarão a fazer parte da rede de instituições que combatem a corrupção, a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, com a edição de um conjunto de normas da Corregedoria Nacional de Justiça. O objetivo é regulamentar como cartórios de todo o país deverão agir para coibir esses crimes. O Provimento n. 88, assinado nesta terça-feira (1º/10) pelo corregedor Nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, determina que operações registradas em cartório e que levantarem suspeitas de lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo sejam comunicadas à Unidade de Inteligência Financeira (UIF), novo nome do antigo COAF.

A suspeita deverá ser informada até o dia útil seguinte ao ato praticado. As informações serão sigilosas, mas poderão ser solicitadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As novas regras, que entram em vigor em 3 de fevereiro de 2020, alcançarão tabeliães e oficiais de registro, sejam eles interventores, interinos e até autoridades com atribuição notarial e registral em consulados brasileiros no exterior. O provimento contempla todos os atos e operações realizados em cartórios, como compras e vendas de bens.

Caberá a tabeliães e registradores a responsabilidade de avaliar a suspeição dessas operações. Valores envolvidos, forma da realização das operações, finalidade e complexidade dos negócios, assim como os instrumentos utilizados nas transações, deverão merecer a atenção dos oficiais e notários.

ENCCLA

Com a edição desse conjunto de regras, o CNJ regulamenta parte da chamada Lei da Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98) e executa uma das ações previstas para 2019 pelos órgãos públicos que integram a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA). A rede articula os esforços de órgãos dos três Poderes, das esferas federal, estadual e municipal no combate a essas atividades criminosas.

Segundo o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, o provimento se alinha ao esforço institucional promovido do CNJ nos últimos anos para combater a corrupção. “A edição do Provimento n. 88, pela Corregedoria Nacional de Justiça, em conjunto com outras ações adotadas na atual gestão – como a instituição, em dezembro de 2018, do Ranking da Transparência, em compasso com a Ação da Enccla nº 4/2015 – simboliza o resgate do protagonismo do Judiciário no combate à corrupção, à lavagem de capitais e financiamento do terrorismo”, disse, na solenidade de assinatura do Provimento n. 88.

O ministro, que foi um dos idealizadores da ENCCLA enquanto ocupou o cargo de advogado-geral da União, informou que os tribunais receberam, ao longo do ano passado, cerca de 55 mil processos relacionados a corrupção e mais de 27 mil ações judiciais com o tema improbidade administrativa. Dias Toffoli lembrou o custo elevado que a corrupção representa para o desenvolvimento do país. “A gestão dos milhares de processos que desaguam no Judiciário sobre esses temas demanda atuação estratégica do CNJ para fazer frente a esse grande mal que corrói o tecido democrático, subverte os valores republicanos, dificulta o desenvolvimento econômico, afasta investimentos e subtrai recursos que deveriam ser aplicados em infraestrutura e serviços públicos essenciais, mantendo o país em um cenário de grande desigualdade social”, afirmou.

Para o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, que assina o ato normativo, com a inclusão dos notários e registradores brasileiros, o sistema nacional de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro terá um reforço significativo. Isso porque passará a contar com informações cruciais dessa atividade que servirão de instrumento para a UIF municiar os órgãos de investigação e o próprio Poder Judiciário.

“A Corregedoria Nacional de Justiça, na condição de reguladora da atividade extrajudicial brasileira, dá um grande passo com esse ato normativo, já que permite que todas as operações suspeitas, assim definidas pela UIF e que, diariamente, são realizadas nos milhares de cartórios extrajudiciais distribuídos em todo o território nacional, possam contribuir para identificar crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro e seus beneficiários”, afirmou o ministro.

O corregedor do CNJ destacou também a participação da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro na elaboração das normas previstas no Provimento n.88/2019, o que, segundo Humberto Martins, só ratifica a relevância desse ato normativo.

“Nosso compromisso com a legalidade, com a transparência, com a probidade na gestão dos recursos públicos e com a moralidade administrativa está claramente demonstrado nos 45 artigos contidos na norma que ora assinamos”, disse o ministro. A iniciativa de integrar o sistema cartorial ao combate à criminalidade fará com que o Brasil adote parâmetros internacionais. Desde 2010 a principal autoridade na área, o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (GAFI) recomenda ao país tomar a medida.

“A falta dessa regulamentação não representa apenas, e tão somente, uma lacuna normativa, mas sim, e principalmente, a possibilidade da suspensão do Brasil dessa organização, ocasionando um mal irreparável à imagem internacional do país, bem como aos seus negócios. A inclusão da atividade extrajudicial no combate à corrupção e à lavagem de capitais é imprescindível, já que, na maioria dos negócios realizados, os registros públicos são utilizados, muitas das vezes para dar aparência de legalidade a atos ilícitos”, afirmou o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Jorsenildo Dourado.

Suspeitas

Configurarão operações suspeitas de lavagem de dinheiro ou ocultação de financiamento ao terrorismo, entre outras, aquelas sem o devido fundamento legal ou econômico. Em alguns casos, a comunicação deverá ser feita à UIF, sem necessidade de avaliação por parte do titular do cartório – operações que envolvam pagamento ou recebimento em espécie ou título de crédito emitido ao portador de valor superior a R$ 30 mil, por exemplo. A comunicação de operações nessa faixa de preço abrange compra ou venda de bens móveis ou imóveis. Se envolver bem de luxo ou de alto valor (superior a R$ 300 mil), qualquer operação será comunicada à UIF, independentemente da forma de pagamento.

Prevenção

Como forma de prevenção a novos delitos, será criada nas palavras do juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Jorsenildo Dourado do Nascimento “um protocolo de prevenção institucionalizado no âmbito das serventias de todo o país”. Dentro dessa política de compliance, notários e registradores deverão averiguar informações a respeito de seus clientes e das operações. Entende-se como medida de prevenção e de mitigação dos riscos, prevista no provimento da Corregedoria, cadastrar os clientes do cartório. Tanto os dados de pessoas físicas como os das pessoas jurídicas serão mantidas em meio eletrônico, por pelo menos cinco anos, contados a partir da data do ato praticado.

Cadastro Único

O ato normativo determina ainda que o Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB) criará e manterá o Cadastro Único de Clientes do Notariado (CCN), que reunirá as informações fornecidas pelos próprios notários de forma sincronizada ou com periodicidade, no máximo, quinzenal. Também será disponibilizada nesse cadastro uma listagem de fraudes efetivas e tentativas de fraude de identificação que tenham sido comunicadas pelos notários.

Para as pessoas físicas, serão inseridos dados pessoais, como nome completo, número de telefone celular e até dados biométricos (impressões digitais e fotografia, por exemplo). No caso de pessoas jurídicas, o rigor com a identificação dos usuários dos cartórios será semelhante.

Quantos ao controle dos atos registrados, mais restrições poderão ser impostas no futuro pela Corregedoria Nacional de Justiça, caso necessário.

Segundo o ministro da Advocacia Geral da União (AGU), André Mendonça, o fato de a criminalidade operar atualmente em rede exige uma atuação igualmente articulada do Estado brasileiro, além de transparência e accountability (capacidade de responsabilização). “Em um Brasil com tanta terra, pouco sabemos sobre os proprietários dessas terras: quem compra, quem vende, quem é titular, quem antecedeu, por que antecedeu, em que circunstâncias comprou. Hoje, o que o CNJ garante é que a UIF poderá saber, a partir de comunicações espontâneas, quem comprou, quanto pagou. Isso garantirá certamente prevenção dos ilícitos, muito mais recuperação de ativos procedentes desses ilícitos, o bloqueio do produto desses ilícitos”, disse Mendonça.

Ao registrar operações imobiliárias, os notários deverão manter cópias dos documentos utilizados. Contratos sociais, estatutos, atas de assembleia ou reunião, procurações, entre outros instrumentos estão incluídos na lista de documentos a serem preservados.

Casos especiais

A gestão de informações sobre pessoas físicas especiais, como políticos, terá regras específicas. Serão considerados como “pessoa exposta politicamente” aqueles cujos nomes constarem de cadastro da UIF e os que se autodeclararem sob essa condição particular.

Também serão tratados com a atenção especial aqueles que se encaixarem na definição de “beneficiários finais” dos negócios registrados nos cartórios, segundo critérios definidos pela Receita Federal do Brasil (RFB). Para manter esse cadastro atualizado, as entidades representativas dos notários e registradores poderão firmar parcerias com a própria RFB, com juntas comerciais e outros órgãos – nacionais ou internacionais – que detenham bases de dados sobre participações em sociedades.

Execução

Os oficiais e registradores poderão nomear um oficial de cumprimento entre seus funcionários para executar procedimentos previstos na regulamentação da Corregedoria. Caso contrário, os próprios titulares dos cartórios serão considerados responsáveis pelo atendimento aos novos parâmetros de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. As punições a que estão sujeitos os titulares de cartórios que não atenderem às determinações do provimento da Corregedoria Nacional de Justiça constam do Artigo 12 da Lei nº 9.613, de 1998.

Fonte: CNJ