Critério incontornável para mercado hoje, ESG ainda gera dúvida no Brasil

Segundo um levantamento do Google Trends feito a pedido do jornal Valor Econômico, as buscas pelo termo “ESG” quase triplicaram no Brasil entre fevereiro de 2021 e 2022. A curiosidade nacional se destacou também na América Latina e no mundo, onde o País foi respectivamente o número um e um dos 25 com maior quantidade de pesquisas. Visto por um ângulo positivo, pode-se dizer que o Brasil nunca se interessou tanto pelo assunto; por outro ângulo, talvez mais realista, é um sinal de que ainda há muito desconhecimento.
“Você acredita que eu passo a maior parte das minhas palestras explicando o que significa ESG?”, diz Roberto Roche em entrevista por telefone. “Só depois o pessoal pede para voltar e dizer como se aplicam esses princípios”. Roche é consultor especialista no tema, tendo atuado em fundos com critérios ESG na África e América Latina, entre outras regiões.
De volta ao Brasil em 2019, tem se dedicado atualmente a consultorias e treinamentos para empresas que queiram se adequar e adaptar a essa nova exigência do mercado.
“Isso está sendo cobrado”, continua Roche. Cada vez mais agentes financeiros têm incluído análises de risco ESG como critérios para se fazer negócio e se ter acesso a vantagens financeiras.
“Se as empresas querem investimento, se querem abrir o capital, se querem de repente vender o produto delas para outras empresas, elas têm que aderir a esses princípios. Para outros países, então, nem se fala.”
ESG: afinal, o que é isso?
Antes de tudo, ESG é uma sigla que se refere a três ideias. Environmental, isto é, meio ambiente; Social e, por fim, Governance, ou governança. Vindos do inglês, os termos aludem a parâmetros de avaliação de empresas segundo esses princípios, que têm dominado a discussão pública nos últimos anos.
Environmental pretende analisar o impacto que o serviço ou os produtos de uma determinada empresa têm no meio ambiente: se são sustentáveis ou predatórios, se tomam medidas cabíveis para reduzir ou mesmo anular a pegada de carbono do seu negócio, ou a emissão de poluentes, etc.
Social, por sua vez, como o próprio nome diz, enfeixa as iniciativas de uma empresa a fim de promover a igualdade e a diversidade, seja dentro de seu ambiente corporativo, seja na comunidade mais diretamente impactada pela atividade da empresa. Aqui entram, por exemplo, as contratações de pessoas das ditas minorias e a presença de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança, bem como as medidas de combate ao assédio moral e sexual, o respeito aos direitos dos trabalhadores e aos direitos humanos, etc.
Governance, ou governança, por fim, alude à estrutura corporativa e a processos de gestão que priorizem a transparência e a accountability, ou responsabilização, sempre com vistas para uma administração ética e ciosa das obrigações legais. A ideia é que, quanto mais clareza a respeito das escolhas de gestão, e quanto mais transparência, menor é a chance de uma determinada empresa se envolver em escândalos de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro entre outros.
Mais do que uma sigla e uma série de princípios abstratos, no entanto, ESG tem se tornado uma ferramenta de análise de riscos, um critério de investimento. Se antes as taxas de retorno e lucratividade de uma empresa talvez bastassem para determinados fundos ou instituições financeiras aportarem nela seu capital, hoje isso não é mais suficiente – precisa-se observar do mesmo modo os critérios ESG.
O Brasil e o ESG: antes tarde do que nunca
A discussão mundial em torno dos princípios de ESG tem, como um de seus marcos iniciais, o Pacto Global da Organização das Nações Unidas, que consolidou a sigla em 2004. Desde então, outros órgãos internacionais e financeiros têm participado do debate, dando-lhe o seu status atual de pauta incontornável para quem pretende não só se manter atualizado, como também competitivo.
O Brasil, por outro lado, ficou relativamente à parte dessa discussão. Durante quase vinte anos, foram tímidas as iniciativas que buscavam fortalecer a presença dos critérios ESG no país. Na verdade, tiveram muito mais repercussão notícias que mostravam exatamente aquilo que um compromisso sério com ESG poderia evitar: desastres ambientais, como os rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, ou escândalos de corrupção que se deviam à falta de uma política sólida de governança, como se viu na Operação Lava Jato.
Nos últimos anos, órgãos como a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep), sem contar o Banco Central (BC) e o Conselho Monetário Nacional (CMN), anunciaram portarias, resoluções e medidas que tornam muito difícil, e financeiramente desvantajoso, a não adesão aos princípios ESG por parte das empresas.
Resta observar se, na prática, isso levará as empresas brasileiras a finalmente se atualizarem, tirando o atraso de décadas em relação ao tema, ou então se ainda se empurrará com a barriga a adoção de critérios tão urgentes. Talvez agora, com a pressão e os constrangimentos em favor do ESG afetando diretamente o caixa das empresas, vejamos um compromisso mais enérgico e, sobretudo, palpável.
Referências
https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/fundos-esg.htm
Autor: Da Redação